Os bispos Latino-americanos e do Caribe ressaltam a dimensão eclesial da nossa fé com as seguintes palavras: “afirmamos que a fé em Jesus Cristo nos chegou através da comunidade eclesial e ela ‘nos dá uma família, a família universal de Deus na Igreja Católica. A fé nos liberta do isolamento do eu, porque nos conduz a comunhão (DAp, n. 156)”.
O evangelizador deve ter sempre claro que nunca anuncia a mensagem de Jesus Cristo em seu próprio nome, ou em razão da incumbência, que lhe foi atribuída por certo grupo ou movimento. O sujeito do querigma é sempre a Igreja. E através desse anúncio a Igreja é sempre fundada, onde ainda não se acha, como no-lo mostram, por exemplo, as pregações querigmáticas dos apóstolos Pedro e Paulo – acima transcritas – sempre terminadas com o convite à conversão e ao batismo.
Nessa linha, escreveu o então teólogo Joseph Ratzinger – Bento XVI – em seu livro Dogma e Anúncio: “O pregador não anuncia por iniciativa própria, nem por encargo de qualquer comunidade particular ou de algum outro grupo, mas por incumbência da Igreja, que é uma em todos os lugares e todas as épocas. Como a sua própria fé só pode subsistir eclesiasticamente, também a palavra que a desperta e sustenta tem necessariamente caráter eclesiástico”.
Portanto, é através da igreja que recebemos a fé, que vivemos o encontro pessoal com Jesus, é a partir dela que anunciamos a vida nova que nos vem Dele, e a adesão a esta mesma fé leva constantemente à conversão e ao seguimento de Cristo no seio da comunidade dos seus discípulos, a Igreja, “incumbida do anúncio e do testemunho do evangelho (CNBB, Subsídios Doutrinais 04, p. 27)”. Essa mesma consideração é claramente feita no Documento de Aparecida: “O encontro com Cristo Graças à ação invisível do Espírito Santo realiza-se na fé recebida na igreja”.
Na Igreja, recebemos a Sagrada Escritura, escrita pela inspiração do Espírito Santo (DV 11), a qual, com a Sagrada Tradição, é fonte de fé e de vida para a Igreja e é a alma da sua Evangelização.
A Sagrada Escritura dá testemunho de Jesus Cristo. Está, no dizer de Sto. Agostinho, “grávida de Jesus Cristo”. “A contemplação do rosto de Cristo não pode inspirar-se senão daquilo que se diz Dele na sagrada escritura, que está, do princípio ao fim, permeada pelo seu mistério, este aparece obscuramente esboçado no Antigo Testamento e revelado plenamente no Novo. De tal modo que desconhecer a escritura é desconhecer a Cristo – dizia São Jerônimo (Carta Apostólica No Início do Novo Milênio)”.
Portanto, se queremos viver um encontro pessoal com Jesus Cristo, devemos descobrir uma relação nova com a Sagrada Escritura. A escritura tem que fazer parte da minha vida. Devo procurar compreendê-la, estudá-la e, mais do que tudo, deixar-me movimentar pela Palavra de Deus, descobrir quais são as solicitações que o Espírito Santo me faz, através da Sagrada Escritura. Nesse itinerário, somos convidados ao exercício da leitura orante da palavra de Deus.
“Com seus quatro momentos (leitura, meditação, oração, contemplação), a leitura orante favorece o encontro pessoal com Jesus Cristo semelhante ao modo de tantos personagens do evangelho: Nicodemos e sua ânsia de vida eterna (Jo 3, 1-21), a Samaritana e seu desejo do culto verdadeiro (Jo 4, 1-42); o cego de nascimento e seu desejo de luz interior (Jo 9), Zaqueu e sua vontade de ser diferente ... Todos eles, graças a esse encontro, foram iluminados e recriados, porque se abriram à experiência da misericórdia do Pai, que se oferece por sua Palavra de verdade e vida (documento de Aparecida)”.
“A lectio divinae é, ao mesmo tempo, mais e menos do que o estudo teológico. Menos, porque sua objetividade, mesmo desejando a maior informação possível, não sente a necessidade de obrigar-nos à especialização técnica. Mas, sobretudo, é mais porque o estudo teológico supõe sim, uma adesão pessoal, da consciência à verdade divina, mas não se prolonga necessariamente na determinação de um empenho total da consciência; ele pode permanecer no nível da compreensão intelectual. O teólogo ou exegeta poderá analisar a Sagrada Escritura e não acolher em si mesmo a presença do Espírito Santo inspirador da palavra. A lectio divinae, ao contrário, é autêntica apenas se a verdade da Palavra de Deus é agarrada, saboreada, assimilada não porque a transformamos em nós, mas porque ela nos tranforma em si (Introdução à Teologia Espiritual, Charles André Bernard)”.
Encontramos Jesus Cristo ainda – e especialmente – na Sagrada Liturgia. Diz-nos a Sacrossantum Concilium (n. 7) que “Cristo está presente em sua Igreja, e especialmente nas ações litúrgicas. Está presente no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, pois aquele que agora se oferece pelo ministério sacerdotal, é o “mesmo que outrora se oferece na cruz”, como sobretudo nas espécies eucarísticas. Ele está presente pela sua virtude nos sacramentos, de tal modo que, quando alguém batiza, é o próprio Cristo quem batiza. Está presente na Sua palavra, pois é Ele quem fala quando na Igreja se lêem as Sagradas Escrituras. Está presente, por fim, quando a Igreja ora e salmodia, ele que prometeu: ‘onde se acharem dois ou três reunidos em meu nome, aí eu estou no meio deles (Mt 18,20)”.
Por isso mesmo é que a Constituição Conciliar sobre a sagrada liturgia afirma que “A liturgia, com efeito, mediante a qual, especialmente no divino sacrifício da eucaristia, ‘se atua a obra da nossa redenção’ contribui sumamente para que os fiéis exprimam em suas vidas e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a natureza genuína de toda Igreja (SC 2)”.
Nessa linha de reflexão, vê-se que a sagrada liturgia, especialmente a celebração eucarística, é o local privilegiado do encontro pessoal com Jesus Cristo (DAp 251).
Na eucaristia, os fiéis aprendem a centrar a sua fé e a sua vida no mistério pascal de Jesus Cristo.
Na eucaristia, os fiéis haurem novo impulso missionário, para anunciarem esse mesmo mistério pascal, núcleo fundamental da fé.
Mais, na celebração eucarística, toda a Igreja, em união com Cristo, sua Cabeça, perpetua nas gerações a proclamação incessante das maravilhas de Deus na criação e, sobretudo, na paixão, morte, ressurreição e glorificação de Nosso Senhor Jesus Cristo, “com a convicção de que Ele, por Seu Espírito, o atualiza (o mistério pascal) para nós na celebração (A Eucaristia, José Aldazábal, Editora Vozes, p. 255)”.
Assim é que toda a assembléia prorrompe na aclamação ao memorial: “anunciamos, Senhor a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição, vinde Senhor Jesus”.
Na eucaristia, a Igreja, na primeira epiclese, invoca o Espírito Santo sobre os sinais do pão e do vinho, a fim de que se convertam no corpo e no sangue de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. E invoca, na segunda epiclese, o Espírito Santo sobre os fiéis, para que se tornem um só corpo e um só espírito, ou seja, corpo de Cristo entregue para a vida do mundo.
Assim, enquanto oferece ao Pai, de maneira sacramental, o sacrifício do Senhor na cruz, faz também a oferenda de si mesma (fazei de nós uma perfeita oferenda). “Toda a vida do cristão fica assim potencializada e incorporada ao sacrifício pascal de Cristo (A Eucaristia, José Aldazábal, Editora Vozes, p. 255)”. Ou, como nos diz o Catecismo da Igreja Católica:
“A eucaristia é também o sacrifício da Igreja (...) a vida dos fiéis, seu louvor, seu sofrimento, sua oração, seu trabalho são unidos aos de Cristo e à sua oferenda total, e adquirem assim um valor novo”.
Compreende, assim, a comunidade dos fiéis que o seu culto espiritual consiste em se oferecer como sacrifício vivo, santo e aceitável, sem se ajustar a esse mundo, mas tendo transformada a mentalidade, discernir a vontade de Deus, o que é bom, aceitável e perfeito (Rom 12, 1-2), assumindo, de maneira existencial, o sentido profundo da eucaristia: amor, serviço e dom de si, sentido expresso maravilhosamente no capítulo 13 do Evangelho de São João, quando Jesus, depondo o manto, pôs-se a lavar os pés dos discípulos.
Eis porque afirmaram os bispos em Aparecida:
“Com esse sacramento, Jesus nos atrai para Si e nos faz entrar no seu dinamismo em relação a Deus ao próximo. Existe estreito vínculo entre as três dimensões da vocação cristã: crer, celebrar e viver o mistério de Cristo, de tal modo que a existência cristã adquira verdadeiramente forma eucarística”.
Como se vê, a união com Jesus Cristo, com o mistério da Sua morte e ressurreição, iniciada pelo batismo, a eucaristia renova, fortalece, aprofunda e realiza, levando os fiéis, que tomam do corpo e do sangue do Senhor, àquela inabitação mútua, de que Ele mesmo nos fala no evangelho de João (Jo 6,56), a viverem da Sua Vida (Jo 6,57) e a entrarem na Sua dinâmica de amor e serviço a Deus e ao próximo.
Além disso, na eucaristia, compreendemo-nos corpo de cristo, comunidade que participa da mesma mesa e toma do mesmo pão. Percebemos que formamos uma unidade. Na eucaristia, aprendemos que somos igreja e rezamos pela igreja, pelos irmãos e não só, mas também pela humanidade inteira.
A eucaristia é germem poderoso do Reino de Deus, instaurando a realidade nova no mundo.
Devemos ir à mesa eucarística sempre que possível, mas devemos sobretudo cultivar a eucaristia dominical. O centro do domingo (Dies Domine) deve ser a eucaristia. Deve ser dia da memória da
Sua Ressurreição e do dom do Espírito. É a páscoa semanal, que reconduz a nossa vida à fonte que permear toda a nossa semana.
A partir da eucaristia, vivemos um poderoso encontro com Jesus Cristo e recebemos a força do Seu Espírito Santo, graça que nos habilita, por assim dizer, para o testemunho.
Não podemos deixar de mencionar, ainda, na mesma linha do Documento de Aparecida, o sacramento da reconciliação, “lugar onde o pecador experimenta de maneira singular o encontro com Jesus Cristo, que se compadece de nós e nos dá o dom do seu perdão (...) e nos devolve a alegria e o entusiasmo de anunciá-lo aos demais de coração aberto e generoso (DAp 254)”.
Além disso é preciso ressaltar a vida de oração.
Nós falamos de experiência e toda experiência “implica um momento de receptividade. Onde situar no campo da experiência religiosa e cristã esse momento? A resposta é: na oração. De fato, nela o homem assume uma atitude de espera e de receptividade diante de Deus (Introdução à Teologia Espiritual)”.
O Concílio Vaticano II, na Sacrossantum Concilium, já dissera “a vida espiritual não se limita unicamente à participação da Sagrada Liturgia. O cristão, chamado para a oração comunitária, deve também entrar no seu quarto para rezar a sós ao Pai (Mt 6,6); e, até, segundo ensina o apóstolo, deve rezar sem cessar (I Tes 5,17).
Na carta encíclica No início do Novo Milênio, João Paulo II lembrou que estamos em um tempo, em que “há a necessidade de um cristianismo que se destaque principalmente pela arte da oração”.
Em Aparecida, os Bispos disseram “A oração pessoal e comunitária é o lugar onde o discípulo, alimentado pela palavra e pela eucaristia, cultiva uma relação profunda de amizade com Jesus e procura assumir a vontade do Pai. A oração diária é sinal do primado da graça (Sem mim nada podeis fazer) no caminho do discípulo. Por isso, “é necessário aprender a orar, voltando sempre a aprender essa arte dos lábios do mestre (Lc 11,1)”.
A oração pessoal e comunitária é também lugar de um encontro profundo com Jesus Cristo. E um encontro verdadeiro com Ele sempre nos impulsiona a sairmos de nós mesmos, abrindo-nos à missão.
Na comunidade encontramos Jesus (Mt 18,20) – Documento de Aparecida 256. Violências, reações emocionais, ameaças de que deixaremos a comunidade, tudo isso constituem problemas que precisamos superar. Todos nós precisamos ser os construtores da comunidade, pois não existe comunidade perfeita. Na igreja primitiva também havia problemas, como nos mostra as cartas de São Paulo (I Cor 11), os Atos dos Apóstolos (Cap. 6), etc. Aliás, até a comunidade iniciada por Jesus tinha problemas (Tomé e sua falta de fé; Pedro e a negação; Judas e a traição; João o apóstolo do amor e o desejo de invocar raios sobre a comunidade de Samaria). Não podemos abrir mão da vida em comunidade, porque este é o projeto de Deus para nós, através de Jesus Cristo e no Espírito Santo.
Nos pobres encontramos Jesus – Documento de Aparecida 257. Isso ele mesmo, Jesus, nos diz em Mt 25. Os pobres “exigem o nosso compromisso e nos dão testemunha de fé, paciência e constante luta para continuar vivendo (...) O encontro com Jesus através dos pobres é uma dimensão constitutiva da nossa fé em Jesus Cristo. Da contemplação do rosto sofredor de Cristo neles e do encontro com Ele nos aflitos e marginalizados, cuja imensa dignidade Ele mesmo nos revela, surge a nossa opção por eles. A mesma União com Jesus Cristo é que nos faz amigos do pobre e solidários com o seu destino”.
Tais indicações, todas extraídas do Documento de Aparecida – embora se faça, constantemente, uma ponte com outros documentos da Igreja – são valiosas e nos apontam o caminho de uma autêntica e fecunda relação pessoal com Jesus Cristo, na força renovadora do Espírito Santo, levando-nos àquele anúncio querigmático de que o mundo de hoje, como o de ontem, tanto necessita.